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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Onde há fumaça, há fogo”!

por Rosana Jatobá

Quando as imagens do protesto no campus da USP foram divulgadas, as críticas pipocaram na redação, no mesmo tom de revolta dos estudantes:
-É um bando de filhinhos de papai que quer fumar maconha o dia todo, em vez de dar a vaga a quem pretende estudar de verdade!
-Deviam agradecer às autoridades pelas viaturas da PM para garantir o policiamento no campus. Toda hora tem um caso de estupro lá dentro. Outro dia um estudante da FEA foi assassinado…
-A PM tinha que prender estes maconheiros!
-E eles se acham no direito de depredar o patrimônio público!
-Sem falar na arrogância e desacato às autoridades!
-Manifestante que cobre o rosto se iguala a marginal!
-Tá faltando uma boa surra e a expulsão da Universidade!
A manifestação ocorreu porque a USP delegou a segurança do campus à Polícia Militar, por deliberação do Conselho Universitário, depois do registro de vários casos de roubo e violência contra a comunidade acadêmica. A última ocorrência foi um latrocínio no estacionamento da Instituição. Mas a PM, extrapolando a função de garantia de segurança, abordou alunos, professores e funcionários nas dependências dos prédios da faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, pedindo-lhes documentos e revistando pertences. A operação culminou com a detenção de três estudantes por porte de maconha.
Em 48 horas, a reitoria foi ocupada por 73 jovens. Sem instâncias de interlocução interna, deu-se a reintegração de posse do prédio principal da USP, ação que mobilizou 400 policiais, dois helicópteros e cavalos, numa cena que lembra as de combate a motim em presídio.


Impossível apoiar o suposto vandalismo dos alunos, depois do resultado da varredura do batalhão de choque na Reitoria ocupada, onde foram encontrados móveis revirados, garrafas de bebida, bombas caseiras, paredes pichadas, restos de comida no chão…
Mas impossível também classificar o fato apenas como um protesto de “meninos mimados”, “bichos grilos de grife”, “rebeldes sem causa” que querem ter liberdade pra fumar maconha, sem serem importunados, como adjetivou a imprensa, amplamente.
No camarim de maquiagem, aproveitei a presença do comentarista de segurança pública do SPTV, Diógenes Lucca, para aprofundar a discussão. Ele é major da Reserva, fundador e ex-comandante do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar de São Paulo e especialista em gerenciamento de crises.
- Lucca, ontem você chamou os estudantes de baderneiros e condenou a manifestação, apoiando o trabalho enérgico da PM ao reprimir o protesto. Eu também acho que os estudantes passaram dos limites. Mas não seria interessante tentar investigar o que está por trás desta arruaça toda? Você sabe que alunos da área de Ciências Humanas historicamente tendem a contestar o establishment e são, por mais desastrados que pareçam, vozes importantes da contracultura.
- Antes de me tornar policial, eu fiz Filosofia por dois anos, Rosana. De fato, o ambiente era mais anárquico. As pessoas podiam divagar, viajar nas ideias, se dar ao luxo de ignorar as pressões do mercado de trabalho… romper com os padrões capitalistas… enfim, questionar a sociedade..
- Pois é, Lucca. Não há porque transformar o consumo de maconha em caso de polícia. Veja que isso foi apenas um pretexto, porque o protesto só cresceu mesmo quando se manifestou o autoritarismo da polícia e do governo. Muitos estudantes que aderiram à manifestação não o fizeram devido à questão da droga, mas por causa da repressão arbitrária.
- Mas a PM estava lá exatamente para proteger os estudantes dos criminosos!
- Existe o estatuto de autonomia das Universidades. Intervenções policiais sempre provocam a reação da Comunidade Acadêmica. Seria mais conveniente que a USP tivesse guarda própria, a exemplo das grandes universidades americanas, como Berkeley, Standford e Princeton, onde o policiamento no campus é de responsabilidade da instituição.
- Essa não é nossa realidade …
- Como não? A USP é considerada uma das mais conceituadas universidades do mundo… Não podemos ignorar o que pensam os nossos jovens.
Michael Löwy, sociólogo e pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique de Paris respondeu à minha inquietação. Ele defende que o clamor dos estudantes é só a faísca de algo maior: uma indignação com a ordem das coisas.
“Há um sentimento de cólera. E diante dessa percepção de injustiça, os estudantes têm um papel essencial, começando movimentos de protesto. Há uma indignação muito grande que pode estourar por conta de um pretexto mínimo. Estamos numa situação em que a ordem social parece cada vez mais irracional, promovendo desigualdades gritantes, os excessos do mercado financeiro, a destruição do meio ambiente. As razões para a revolta são evidentes. Tem a ver com o sistema. Por mais que comece com uma história de maconha e confronto com a polícia, acaba de transformando em um protesto sistêmico.”
Tanto é que ao serem presos, estudantes brandiam livros de Marx, Foucault e Walter Benjamin e imagens de Mao e Che Guevara, personagens e pensadores que exprimiram a critica antissistêmica.
Em última análise, o objeto da manifestação é o poder exorbitante do capital mostrando a sua irracionalidade e desumanidade. A universidade é um lugar de produção de cultura e conhecimento, com autonomia em relação ao mercado, à economia e as empresas”.
Com o perdão do ditado: “Onde há fumaça, há fogo!”

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